Babel, linguagem e unidade


Luciano Motta

Em Gênesis 11.1-9 encontramos a história bastante conhecida da torre de Babel. As Bíblias em geral dão este subtítulo à passagem. Mas o que vemos no texto é algo muito maior do que a simples construção de uma torre.

A Bíblia fala de um povo em peregrinação que acha uma planície desabitada (v.2). Voltam-se então uns para os outros e planejam algo grande. É de se destacar a criatividade daquele povo: ao invés de construírem com os materiais de costume, pedras e cal (um tipo de massa), fazem tijolos e utilizam betume/piche (v.3). Eles idealizaram uma obra sólida, a partir de um modo aperfeiçoado de construir. Aquele povo parecia estar à frente do seu tempo.

Depois, disseram: vamos edificar para nós uma cidade e uma torre que toque os céus, e façamos para nós um nome para que não sejamos espalhados (v.4). Aquele povo começa a construir o que seria para a época uma cidade incomparável, edificada de maneira revolucionária, com um grandioso e inigualável marco: uma torre tão alta, que permitiria ao homem alcançar o céu, um lugar sequer imaginado. Certamente a fama daquelas pessoas correria por todo o mundo. Todos viriam para ver tão impressionante obra e provavelmente seriam inspirados a fazerem o mesmo em outras localidades.

Além da criatividade e da capacidade empreendedora, aquele povo era unido e falava a mesma língua. O Senhor os observou e disse: isso é só o começo, depois não haverá restrições para tudo o que intentarem fazer (v.6). Eram pessoas focadas em um só objetivo. Eram pessoas com uma comunicação fluente. Não perdiam tempo com outras ocupações, nem com debates infrutíferos e estranhos ao que estavam propostos a fazer.

Mas havia um problema grave aos olhos de Deus: aquele projeto, embora muito bem idealizado e executado, era do homem, para a glória do homem. A motivação máxima daquelas pessoas era a exaltação própria, era provar que poderiam realizar grandes coisas sem Deus. Aquela cidade, aquela torre, aquele desejo por estabelecer um nome, foram uma afronta para o Senhor. E Ele os confundiu em sua língua e os espalhou. A construção parou. E a fama que ficou foi: a cidade da confusão. Babel em hebraico soa parecido com a palavra que quer dizer “atrapalhar”.

Pois nesse ponto o Espírito Santo acendeu o meu coração e me guiou para outra leitura desta história: E se fosse diferente? O que aconteceria se o projeto não fosse do homem, para a glória do homem, mas de Deus, para a glória de Deus?

Então me atentei para o fato de estarmos realizando uma grande obra para Deus. Ele nos escolheu: 1-para edificarmos um Reino em lugar de uma cidade; 2- para marcarmos esta geração com grandes sinais e maravilhas em vez de uma torre; e 3- para levantarmos o Nome que é sobre todo nome: JESUS. O projeto é Dele, com as estratégias e as ferramentas criadas e inspiradas por Ele, para a glória do Seu Nome.

Em contrapartida, Satanás copia e repete as mesmas estratégias que Deus usou para espalhar e confundir o povo de Babel. Ele ataca com força a linguagem e a unidade justamente para espalhar e confundir o povo de Deus.

Desde a antiguidade, passando pela idade média e os tempos modernos, até hoje, uma das principais armas de dominação e conquista é a língua. O Império Romano alcançou dimensões tão impressionantes porque cada povoado e cidade invadidos sofriam a imposição do latim. Os dialetos locais desapareceram ou foram agregados pela língua oficial romana (o que gerou posteriormente o francês, o espanhol, o português, etc.). Com os gregos, contudo, ocorreu o oposto: por serem de uma sociedade mais antiga e mais desenvolvida, sua língua foi preservada e assim influenciaram os romanos. Por isso o mundo ocidental tem como base a cultura greco-romana. Na colonização do Brasil, o tupi-guarani foi praticamente extinto pelos portugueses. Só temos índios porque criamos reservas para eles viverem. E apesar de tão extenso território, é a língua portuguesa que faz do Brasil uma nação unificada.

Muda-se a língua, muda-se a cultura, a maneira de pensar e se viver em sociedade. Há um poder tremendo na linguagem para agregar e aproximar as pessoas, para unir pensamentos e ideias.

A primeira coisa que destrói projetos é a linguagem atrapalhada. O apóstolo Paulo em Filipenses 2.2 diz que devemos ter o mesmo modo de pensar, o mesmo amor, o mesmo ânimo, e reforça novamente: “pensando a mesma coisa”. Mais à frente, no verso 14, diz: “Fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas”. Pensar a mesma coisa é resultado de muitas conversas, de muito diálogo, de muito sonhar junto, de muito comer à mesa junto, de muito planejar junto.

Já dizia Salomão: “Não havendo sábia direção o povo cai, mas na multidão de conselheiros há segurança” (Provérbios 11.14), e também: “Onde não há conselho frustram-se os projetos, mas com a multidão de conselheiros eles se estabelecem” (Provérbios 15.22). Aquele povo, antes de ser Babel, dialogou entre si, chegou a um consenso quanto ao modo de construir. Eles fizeram as bases juntos antes de colocarem o primeiro tijolo. Um líder deve direcionar, mas não fará nada sem que todos na equipe estejam falando e pensando a mesma coisa. Deus nos mostra o caminho, mas sem nos comunicarmos corretamente com Ele, sem comunhão, oração e intimidade com Ele, jamais conseguiremos nos alinhar à Sua vontade. Erra-se o alvo.

A murmuração enfraquece a unidade, gera desânimo. A falta de sabedoria na hora de expor ideias produz dores desnecessárias. A falta de submissão gera desconfiança, partidarismo, sufoca o diálogo. Todas estas coisas são como chagas que matam qualquer projeto. Palavras indevidas contra alguém, como brincadeiras impróprias e a exposição de fraquezas, retardam ou mesmo paralisam a obra, porque ferem, desgastam, inibem o potencial criativo e o vigor empreendedor. Quando Davi pergunta a um dos servos de Saul a respeito de um possível herdeiro do antigo rei de Israel, ouve o seguinte: “Ainda há um filho de Jônatas, aleijado de ambos os pés” (2 Samuel 9.3). Aquele servo não citou o nome daquele a quem servia, Mefibosete, porém apontou o seu defeito físico. Há pessoas que vivem falando sobre o defeito dos outros. Servem e falam mal, trabalham e falam mal. Vão minando as forças dos líderes e da equipe com constantes maledicências e fofocas. Vão usando estas ferramentas do diabo para destruir projetos e vidas.

Em segundo lugar, a unidade atrapalhada acaba com qualquer possibilidade de êxito. Jesus disse: “Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e a casa dividida contra si mesma cairá” (Lucas 11.17). Antes da descida do Espírito Santo, os discípulos estavam juntos no cenáculo, onde perseveravam “unanimemente” em oração e súplicas (Atos 1.13-14). Cumprindo-se o dia de Pentecoste, estavam “todos reunidos no mesmo lugar” (Atos 2.1).

Vale ressaltar que os apóstolos receberam o Espírito Santo e começaram a falar em línguas diferentes, porém a linguagem do Espírito era a mesma. Não há confusão quando se está em unidade, mesmo falando coisas diferentes. Efésios 4.4-6 diz: “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos”.

O que mantém uma casa de pé são os fundamentos. O que preserva a unidade no Reino são os valores fundamentais do Evangelho: amar a Deus, amar ao próximo, considerar os outros superiores a nós mesmos, servir as pessoas, praticar a religião segundo a Palavra, que é “visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago 1.27). Todas estas coisas são aperfeiçoadas em nós no tanto que nos aproximamos do Pai e nos submetemos a Ele, em obediência e temor. E é impossível ser próximo de Deus e não começar a ser como Ele é. A maneira ousada de Pedro e João em anunciar o Evangelho fez com que os fariseus reconhecessem que “eles haviam estado com Jesus” (Atos 4.13). Os apóstolos tinham a mesma linguagem e o mesmo comportamento de Jesus.

O povo de Babel preferiu tijolos a pedras. Mas o Reino de Deus é construído por pedras vivas. E é bem difícil encaixar essas pedras e torná-las um bloco consistente e conjunto. Essas pedras tem vontades próprias, personalidades, temperamentos. São pedras colocadas umas sobre as outras. Às vezes dói se encaixar com determinado irmão, ou estar debaixo. Ao invés de cal ou piche, é o óleo do Espírito que nos encharca e suaviza os contatos, os atritos. O mundo conhece e crê em Jesus pela unidade da igreja (João 17).

O ministério que você desempenha, a célula que você dirige, a igreja que você pastoreia, dentre tantas outras áreas e vocações, se são de Deus e para a glória de Deus, então são obras tremendas que estão em andamento. Tenha zelo pela unidade, pela perfeita comunicação, cuide de sua língua – é uma arma poderosa para amaldiçoar e espalhar ou para unir e abençoar! (Tiago 3.10)

Seja alguém que irá marcar esta geração! Realize grandes coisas para que o nome de Jesus seja exaltado! Amém.

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