Famintos por repugnâncias


Luciano Motta

Em Lucas 15.11-32 lemos a famosa parábola do filho pródigo. Sem me deter na narrativa em si, quero destacar aquele instante em que o filho deseja se alimentar da mesma comida que os porcos comiam (v.16). Aquele jovem quis as alfarrobas destinadas aos porcos! Ele estava tão faminto e desesperado que, por um momento, o repugnante se tornou apreciável.

Um parêntesis: Para quem não sabe, a alfarroba é um tipo de vagem comestível, semelhante ao feijão, de cor marrom escuro e sabor adocicado, utilizada pela indústria de alimentos na produção de gomas e espessantes. É um alimento saudável e de elevado valor nutritivo. Podemos dizer, então, que o alimento daqueles porcos não era propriamente uma lavagem, mas uma ração. Ainda assim: desprezível comida de porcos.

A essa altura da história os religiosos da época já estavam, no mínimo, desconfortáveis com o que ouviam. Sabemos muito bem que o porco é um animal considerado impuro pela lei judaica. Portanto, além de desonrar o pai e de se perverter com meretrizes, gastando sua herança, aquele jovem ainda teve de conviver com animais tão repulsivos aos olhos daquela sociedade, ao ponto de cobiçar suas alfarrobas.

Mas o que leva alguém a querer se alimentar de algo repugnante?

Sem dúvida, a fome e o desespero podem levar uma pessoa a atitudes extremas. Já estive no lixão aqui da minha cidade e presenciei coisas terríveis. Mas chegar a esse estágio de miséria - e permanecer nele - é um processo de esvaziamento de valores. Enredado por problemáticas de ordem moral, social, econômica, familiar e psicológica, o humano vai desaparecendo, abrindo espaço para um outro ser.

Entretanto, creio que tudo começa quando o homem decide se afastar de Deus.

Ao contrário de muitos, o jovem pródigo tinha tudo à sua disposição (v.31), mas mesmo assim decidiu ir embora. Partiu da casa do pai para viver conforme seus próprios desejos, sem os valores que antes o guiavam, sem a segurança do lar e o amor do seu pai. Pouco a pouco perdeu seus pertences, sua dignidade, até encontrar-se no meio de porcos, ao ponto de querer o que eles comiam. Observe como houve um esvaziamento gradativo, imperceptível nos primeiros dias e de constatação desesperadora nos últimos. Assim trabalha a iniquidade no coração das pessoas: um pecado leva a outro, um abismo chama outro, até alcançarem um estado lamentável de perdição e desvio do propósito de Deus.

"...pela lei vem o conhecimento do pecado" (Romanos 3.20).

"...mas eu não conheci o pecado senão por intermédio da lei. Pois eu não conheceria a concupiscência se a lei não dissesse: não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a concupiscência. Pois sem a lei estava morto o pecado" (Romanos 7.7-8).

Qualquer pessoa longe de Deus está desprovida dos valores de Deus. Vive, portanto, como alguém sem lei. Não tem consciência do pecado porque não tem referência. Não consegue mais discernir o bem do mal, o puro do impuro, o apreciável do repugnante. Quando tem fome - e todos somos famintos por algo que nos preencha - olha para comida de porcos sem valorizar a si mesmo como alguém criado à imagem e semelhança de Deus, alguém que tem um lar e um Pai de amor, com tudo do bom e do melhor à sua disposição.

Vamos ser sinceros: esse é também o meu, o seu problema. Queremos realizar nossas próprias vontades e desejos. Quantas vezes decidimos deixar Deus em algum lugar e partimos para desfrutar dos prazeres do mundo! Trocamos os banquetes da casa do Pai pelas alfarrobas do pecado, que podem nutrir, é verdade, mas apenas a carne. Então, com nosso espirito em estado de inanição, gradativamente vamos perdendo os valores de Deus até desejarmos repugnâncias - e não percebemos isso, porque estamos esvaziados de referências espirituais!

Precisamos reconhecer que a nossa fome, o nosso vazio interior, só pode ser preenchido pela presença de Deus, pelo conhecimento e a revelação diária de quem é Deus, pelo alimento sólido que é a Palavra de Deus. Só por meio do Espírito Santo podemos discernir os rumos da nossa vida. Decida estar ao lado Dele. Decida nunca deixar o Pai. Arrependa-se e vá correndo ao encontro Dele, pois Ele está à sua espera.

"Pois se viverdes segundo a carne morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis, porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus" (Romanos 8.13-14).

"Aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado, porque a semente de Deus permanece nele; não pode continuar pecando, porque é nascido de Deus" (1 João 3.9).

Você é filho de Deus, nascido de novo? Ou é bastardo, alguém sem lei, distante do Pai? Repare bem no tipo de alimento que você se sente atraído e terá a resposta.

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