Promessa não é seguro de vida


Luciano Motta

Promessa. Palavra bonita, sedutora. Abundantemente pregada nos púlpitos e nos programas televisivos. Tema recorrente em inúmeras canções e CDs de diversos artistas gospel. Em muitas igrejas não há um só culto cuja ênfase não seja essa: as promessas de Deus. Faz bem ao coração do perdido - e dos salvos também.

Promessa tem sido transformada em garantia de imortalidade aqui na terra. Não raro ouvimos: "Você não vai morrer enquanto as promessas de Deus não se cumprirem em sua vida!"

Você já ouviu ou cantou algo parecido com isso? Sem dúvida, muitas vezes. É uma mensagem que afaga o ego e alimenta ainda mais o espírito antropocêntrico desse século. Como sair insatisfeito de um culto cuja ênfase invariavelmente seja "você é mais do que vencedor" ou "em Deus você pode todas as coisas"? Ou não ficar inflado com sermões que te dão "quatro chaves para a conquista" e "cinco passos para a prosperidade em todas as áreas da vida"?

Eu acreditava nisso. Ministrei esse tipo de mensagem em muitos cultos. Mas recentemente meus olhos se abriram a partir dessa passagem:

"Todos estes ainda viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido; viram-nas de longe e de longe as saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra" (Hebreus 11.13 NVI).

A quem se refere esse texto? Abel, Enoque, Noé, Abraão e Sara (v.4-11). Poderia discorrer agora sobre a trajetória desses personagens, as promessas que receberam de Deus e as provas de fé pelas quais passaram. Mas vamos fazer diferente: leia e pesquise na Bíblia sobre cada um deles. De fato quero ressaltar aqui que essas pessoas "viveram pela fé, e morreram sem receber o que tinha sido prometido".

Como assim? Morreram? Mas "quem tem promessa de Deus não morre... aleluiasss!" - É o que ouvimos comumente. E é um grande engano.

Os heróis da fé listados em todo o capítulo 11 da epístola aos Hebreus, e também (por que não?) os incontáveis homens e mulheres que ao longo dos séculos dedicaram suas vidas a Deus, receberam promessas tremendas e viveram pela fé. Contudo, muitos deles morreram antes de verem algumas dessas promessas se concretizarem. Viram tudo "de longe e de longe as saudaram, reconhecendo que eram estrangeiros e peregrinos na terra". Na verdade, entenderam que faziam parte de um plano muito, muito maior de Deus, que abrangia povos e nações desconhecidas por eles; um plano que ultrapassava qualquer deleite pessoal efêmero ou riqueza humana desse mundo.

O engano do que vou chamar de "teologia da promessa" está no modo como reduz o grande plano de Deus ao tamanho das necessidades pessoais e imediatas dos ouvintes, prometendo resoluções e intervenções divinas as mais diversas a partir de passagens bíblicas que se tornaram chavões de auto-ajuda gospel. Por esse ângulo, as famosas "caixinhas de promessas" foram precursoras desse movimento. Inegavelmente é maravilhoso poder ler sempre um texto bíblico que nos é favorável, abençoado, quase um "paracetamol cristão" para alívio diário das nossas dores de cabeça. Mas será que alguém já experimentou ler o contexto em que essas mesmas promessas se encontram na Bíblia e sondar a mensagem exata de Deus?

Paracetamol só traz alívio, não cura. E ainda pode ser um remédio inapropriado, se usado indevidamente. Daí outra confusão: Promessa embalada como profecia. E complica mais quando o homem ou a mulher falam em nome de Deus, e declaram que certas coisas irão ocorrer na vida da pessoa e que Deus é Fiel para cumprir, pois foi Ele quem prometeu, etc etc etc. Tantos "profetas" que falam, determinam, declaram de si mesmos, e não tem a verdade de Deus. Profecias encomendadas para agradar a plateia, como nos tempos do rei Acabe (1 Reis 22.1-25).

As promessas são importantes. Nutrem a nossa esperança, a nossa fé. Mas não podem ser tratadas assim. Pois hoje inúmeros crentes estão frustrados com Deus, com a igreja. Receberam promessas, acreditaram nelas como remédios definitivos de suas dores (e resolução de seus problemas financeiros), mas no fim só acharam desilusão. Estas pessoas não foram apresentadas ou não conheceram o único que pode curar e transformar: JESUS. Por desconhecerem as Escrituras, erraram ou foram induzidas ao erro.

Sem a pretensão de criar um conceito, creio que toda promessa está ligada a um contexto, a um plano de Deus, que pode ser maior do que o meu e o seu tempo de vida nesta terra. Por isso podemos perfeitamente morrer sem vermos o fim de tudo. Isso fica bem claro, por exemplo, em um dos textos mais chavões usado pela "teologia da promessa" e que é convenientemente retirado de seu contexto e aplicação:

"...aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará..." (Filipenses 1.6).

Antes destas palavras, o apóstolo Paulo afirma sua gratidão a Deus pela vida dos filipenses e sua "cooperação no Evangelho" (1.5). Hoje em dia, qualquer pessoa recebe a promessa constante nesse texto sem que nela se verifiquem os valores do Reino. Pessoas que não cooperam em nada com o Evangelho e possivelmente nem são convertidas. Outro problema, ainda no verso 6: a obra que Deus havia começado naqueles crentes seria aperfeiçoada "até o dia de Jesus Cristo" (1.6b). Ou seja: uma referência direta à segunda vinda. Uma promessa que se completa no futuro, não no presente. Convenientemente esta última parte do texto fica de fora dos púlpitos, pois os ouvintes urgem por bênçãos imediatas e milagres urgentes.

A epístola aos Filipenses enfatiza uma vida em que o amor e a excelência aumentem mais e mais até o dia de Cristo (1.9-10); em que o "viver é Cristo, e o morrer é ganho" (1.21). Fala do esvaziamento do Filho por amor e obediência ao Pai (2.5-8) em contraste com uma igreja egoísta: "todos buscam o que é seu e não o que é de Cristo Jesus" (2.21). Exalta Epafrodito enquanto servo, colaborador, quase morto por causa do Evangelho (2.25-30). O apóstolo Paulo coloca suas conquistas e tudo mais como perda (3.7), pois tem um alvo (3.14) e uma pátria (3.20). Por isso, exorta os crentes a não ficarem ansiosos (4.6), a pensarem no que tem virtude e louvor (4.8). Paulo sabia passar necessidade e abundância (4.12), pois tinha uma certeza (e aqui aparece outro chavão): "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (4.13).

Portanto, a tal "boa obra" que Deus começou na verdade aponta para todos esses aspectos e fatos da igreja em Filipos e do apostolado de Paulo, e para a consumação de todas as coisas em Jesus. É uma promessa rica em ensinamentos e significados se considerada a abnegação do servo de Deus, que tem Cristo por alvo e o Evangelho como valor maior da vida.

Abel, Enoque, Noé, Abraão e Sara passaram. Você e eu vamos passar. Algumas coisas veremos, outras não. Mas tudo o que Deus prometeu irá se cumprir. Resta-nos crer, esperar Nele e viver segundo os Seus propósitos e vontade.

"Retenhamos firmes a confissão da nossa esperança, porque fiel é o que prometeu" (Hebreus 10.23).

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